No Vale do Silício, berço das grandes inovações tecnológicas, surge uma nova tendência que desperta entusiasmo e controvérsia: startups de genética vêm oferecendo testes que prometem identificar embriões com maior potencial intelectual. A ideia, defendida e incentivada por bilionários da tecnologia, como Elon Musk, já atrai casais que estão dispostos a gastar até R$ 270 mil em exames capazes de prever o quociente de inteligência (QI) antes mesmo da implantação.
De acordo com a embriologista Dra. Salomé Espínola, especialista em infertilidade masculina e reprodução assistida, esse interesse crescente mostra o quanto a ciência vem sendo pressionada a atender demandas de mercado que, muitas vezes, extrapolam o objetivo médico de tratar a infertilidade.
“A ciência reprodutiva tem como missão principal ajudar casais a realizar o sonho de ter filhos. Quando entramos no campo da seleção de embriões baseados em supostas características cognitivas, entramos também em uma zona cinzenta, onde a ética precisa ser colocada em primeiro lugar”, afirmou a especialista.
Ela ressalta que, embora exista disposição para investimentos altíssimos, não há comprovação científica robusta de que tais testes possam realmente prever inteligência. “Achar que um exame laboratorial pode definir a capacidade intelectual futura de um indivíduo é uma simplificação perigosa”, alerta.
Segundo a embriologista, a inteligência resulta de uma complexa interação entre genes e ambiente, o que impossibilita a definição de um perfil cognitivo apenas por marcadores genéticos. Além disso, esse movimento em direção à chamada “perfeição genética” pode reforçar desigualdades sociais. “Somente famílias com alto poder aquisitivo teriam acesso a essa tecnologia, o que aprofundaria ainda mais as diferenças já existentes”, acrescenta.
No Brasil, a legislação sobre reprodução assistida não permite a seleção de embriões para fins não médicos. O uso de testes genéticos só é autorizado em casos de diagnóstico pré-implantacional (PGT) voltado à prevenção de doenças graves. “A reprodução assistida deve estar a serviço da vida e da saúde, não de ideais mercadológicos que podem comprometer valores humanos fundamentais”, enfatizou Dra. Salomé.
Enquanto no Vale do Silício a novidade ganha força entre startups e investidores, especialistas em bioética e reprodução humana ao redor do mundo reforçam a necessidade de prudência. O avanço científico é inegável, mas o debate sobre seus limites continua mais atual do que nunca.