Especialistas em luto apontam que lembranças materiais funcionam como pontes afetivas entre o amor vivido e o processo de seguir em frente
O luto é um processo que se manifesta de formas únicas e pessoais. Para algumas pessoas, a presença de objetos, fotografias e pertences de quem partiu representa uma maneira de manter viva a conexão emocional e transformar a ausência em memória. Para outras, no entanto, o contato com esses itens pode reabrir feridas e intensificar a dor.
A psicóloga especialista em luto da funerária e crematório Morada da Paz, Simône Lira, explica que essa relação é parte essencial do processo de elaboração da perda e deve ser acolhida com respeito e sensibilidade.
“Guardar objetos de quem partiu pode ser uma forma simbólica de manter o vínculo afetivo. Um perfume, uma peça de roupa ou um álbum de fotos podem despertar
memórias olfativas, sensoriais e auditivas que reforçam o sentimento de amor vivido. Em alguns casos, esse contato traz conforto; em outros, pode ser desorganizador. Por isso, o mais importante é que cada pessoa seja respeitada dentro do seu tempo e da sua forma de viver o luto”, afirma Simône.
Entre as histórias acolhidas pela equipe do Morada da Paz, está a do aposentado Umberto Vasconcelos, viúvo há quase seis anos. Ele foi casado por mais de quatro décadas e ainda mantém, na casa em que viveu com a esposa, lembranças que o ajudam a lidar com a saudade.
“Tenho aqui as fotos do nosso casamento, dos passeios, dos momentos bons que vivemos juntos. Ainda guardo os óculos dela e algumas roupas. É uma ausência que sempre será lembrada. Minha vida jamais será a mesma, mas olhar para essas coisas me faz sentir que ela continua comigo de alguma forma”, relata, emocionado.
Para Simône, histórias como a de Umberto revelam a força dos rituais simbólicos, que ajudam a transformar o sofrimento em memória e significado. “O luto não é esquecimento. É a continuidade de um amor que permanece, mesmo sem a presença física. Esses gestos, por menores que pareçam, são tentativas humanas de seguir, de se reconectar com a vida e encontrar sentido no que ficou”, explica.
No Morada da Paz,o tema é frequentemente abordado em espaços de acolhimento, como o Chá da Saudade, grupo de escuta voltado para pessoas enlutadas. Nessas reuniões, os participantes compartilham suas experiências, aprendem sobre o processo de luto e encontram um ambiente seguro para expressar sentimentos.
A psicóloga destaca que falar sobre perda e memória é um passo essencial para quebrar o silêncio em torno da morte. “Quando acolhemos essas histórias com cuidado e empatia, ajudamos as pessoas a compreender que o amor não acaba.
Ele apenas se transforma em lembrança e permanece vivo nas memórias, nos objetos e nas histórias que escolhemos guardar”, destaca a especialista.
