Cheiros, músicas e lembranças: como o luto atravessa a rotina

Psicóloga do Grupo Morada da Paz explica como hábitos simples podem reabrir a dor da perda e destaca a importância de espaços de acolhimento contínuo

O luto não está restrito a datas simbólicas, como aniversários ou celebrações em família. Ele atravessa a rotina e pode surgir de maneira inesperada: uma música que toca no supermercado, um perfume que remete a alguém especial ou até mesmo o sabor de uma receita de infância. De acordo com Simône Lira, psicóloga especialista em luto do Grupo Morada, essas situações mostram como a perda é vivida de forma singular e permanente, exigindo reconhecimento e espaços de escuta.

Para Simône, esses gatilhos emocionais revelam que o luto não é um processo linear, nem limitado ao momento da despedida.

“O luto pode se manifestar nos momentos mais simples da rotina. Uma lembrança inesperada, um som ou até um gesto cotidiano podem reativar emoções profundas. Esses sinais mostram que o vínculo com quem partiu continua presente e merece ser acolhido”, afirma.

Pesquisas apontam que o tempo médio de elaboração do luto varia amplamente, podendo levar meses ou até anos, dependendo do contexto da perda, da rede de apoio e da forma como a dor é acolhida. A falta de validação social para esse sofrimento pode levar ao chamado luto não reconhecido, termo cunhado pelo psicólogo Kenneth Doka para se referir a situações em que a dor não encontra espaço legítimo para ser expressa.

Nesse sentido, o Grupo Morada da Paz busca oferecer apoio que ultrapassa o momento imediato do funeral. Entre as iniciativas estão o Chá da Saudade, grupo terapêutico mediado por psicólogos especialistas em luto, realizado mensalmente, que oferece um espaço seguro para troca de experiências entre enlutados; e a plataforma Morada da Memória, lançada em 2020, que já ultrapassou 160 mil homenagens virtuais e possibilita a perpetuação das lembranças por meio de textos, fotos, vídeos e mensagens de familiares e amigos.

Além de acolher as famílias em seus serviços, a atuação do Grupo reforça a necessidade de se falar sobre a morte e suas consequências emocionais de forma aberta e responsável.
“O luto não pede esquecimento. Ele convida a transformar a falta em memória e o vínculo em referência. Para isso, é essencial que o sofrimento seja reconhecido e acompanhado, evitando que a pessoa atravesse esse processo em silêncio ou isolamento”, completa a psicóloga.

Ao destacar a relevância desses espaços de escuta, Simône explica que lidar com a perda é também um exercício de humanidade, que deve ultrapassar o silêncio e abrir espaço para a partilha de memórias e sentimentos.